sábado, 1 de outubro de 2011

Receita e MP já investigaram Malafaia por suspeita de desvio de dízimo

O pastor Silas Malafaia admitiu erro nas contas de sua igreja, mas não por culpa dele, e sim, do seu contador, que deixou de recolher um tributo.

O pastor Silas Malafaia, 53, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi investigado em 2007 cinco vezes – duas pela Receita Federal e três pelo Ministério Público Federal -- por suspeita de ter desviado dinheiro arrecadado com o dízimo e por ter se aproveitado da crendice popular.

Malafaia admitiu ter havido erro nas contas de sua igreja – mas não por culpa de dele, e sim, do seu contador, que, disse, deixou de recolher um tributo.

“Paguei tudo [o tributo devido] no outro dia sem contestar”, disse ele à jornalista Daniela Pinheiro, que escreveu para a revista Piauí uma longa reportagem sobre o pastor, entrevistando-o, inclusive. Não foi revelada a quantia envolvida no suposto erro do contador.

Na entrevista, Malafaia se vangloriou de conseguir doações de alto valor. Contou que em abril pediu oferta de R$ 100 mil para pagar uma promissória de R$ 1,5 milhão que ia vencer e em menos de uma semana obteve a soma. “Ralé que doa R$ 100 mil... As pessoas não têm ideia do que está acontecendo no meio evangélico”, disse.

Dublado em inglês, o programa de TV do pastor passa em uma rede evangélica internacional, atingindo cerca de 200 países via satélite. No Brasil, é transmitido pela Rede TV!, Band e CNT.

A Vitória em Cristo capta em oferta e doações de fiéis R$ 40 milhões por ano. O pastor disse que faz questão de não receber salário da igreja, nem usar verbas para despesas pessoais.

Afirmou que vive do dinheiro de sua empresa, a Editora Central Gospel, cujo catálogo tem cerca de 600 títulos, entre livros (incluindo Bíblias), CDs e DVDs. O próprio Malafaia é autor da maioria dos livros. Recentemente, a Avon comprou 400 mil exemplares para vendê-los de porta em porta, juntamente com seus produtos de beleza. Mas é o programa do pastor que garante as vendas da editora.

Não é bem verdade que Malafaia não use verbas da igreja, porque ele e sua família viajam pelo Brasil e exterior no avião que a Vitória em Cristo comprou de segunda mão nos Estados Unidos em 2010 por US$ 4 milhões (R$ 6,8 milhões). Trata-se de um jato Gulfstream III. Tem autonomia para oito horas de voo, doze lugares, sofá, cozinha, sistema individual de entretenimento. É um “favor de Deus”, conforme está escrito em inglês na fuselagem.

A Associação Vitória em Cristo, que é a administradora da igreja, e a Editora Central Gospel funcionam em um mesmo prédio de 40 mil metros quadrados em Jacarepaguá, bairro da zona norte do Rio. Os diretores de uma e outra são da família de Malafaia.

Os fiscais da Receita Federal, que estiveram no prédio em 2007, provavelmente tiveram alguma dificuldade em saber onde termina a igreja e começa empresa Central Gospel.

Fonte: Paulopes

Espiritualidade



No comecinho de 1990, fui convidado para participar da organização da Aliança Evangélica Brasileira (AEVB). Reunimo-nos em Teresópolis para esboçar os primeiros momentos, mas não lembro nada do planejamento. Ficaram apenas as devocionais lideradas pelo Osmar Ludovico, que me marcaram de forma indelével. O Osmar falou sobre oração contemplativa, "Lectio Divina", meditação. Porém eu vinha de uma tradição pentecostal e nada sabia sobre esses e outros exercícios espirituais. No segundo dia, houve um quebrantamento e eu me derreti em lágrimas. O Espírito de Deus nos moveu de uma forma única.

A prática de orar em silêncio, de aquietar a alma para meditar na Palavra e de escrever ressonâncias depois que alguém compartilha percepções espirituais, me deixou boquiaberto. Eu acreditava em preces barulhentas. Achava que Deus gostava de decibéis exagerados. Aliás, preciso confessar, eu mesmo já insuflei auditórios com a clara intenção de produzir frenesi para "mostrar" categoricamente que Deus "operava em nosso meio". Mas o Osmar Ludovico me conduzia por um novo e fascinante portal. Ao seu lado, eu subia escadas que tocavam o céu. Osmar tem uma voz suave, que, ao pronunciar o nome de Deus, ainda me comove. Ali começou um novo ciclo em minha devocional.

Passei a desejar uma espiritualidade de afetos. Abandonei o esforço de fazer de minhas orações uma técnica de colocar Deus em movimento. Destruí o altar que eu erguera para acionar o divino. Reaprendi que orar é inspirar ausências. Sem muitos barulhos, colocar a alma numa quietude parecida com a que o sumo sacerdote experimentava ao entrar no Santo dos Santos. Noto que os cultos, as missas, se tornaram agitados. Pergunto-me se o ritmo alucinante das músicas e das danças não são fugas. Na agitação, evita-se o confronto com a interioridade e, consequentemente, com Deus. Agora, só agora, começo a intuir o significado de orar no quarto fechado, em secreto.

Uma oração que não inclua o mundo inteiro apequena Deus e mostra o grau de individualismo de quem ora. Não consigo mais entender Deus como um deus tribal que faz chover e não deixa que gafanhotos destruam plantações. O mundo geme e entendo que as preces precisam ser situadas em relação a todos, inclusive africanos exilados, haitianos sem teto, europeus desiludidos com o materialismo e brasileiros inundados em periferias urbanas. Deus não dispensa suas bênçãos prioritariamente sobre os quem têm olhos azuis. Ele não começa seus castigos pelos mais miseráveis; não abandona milhões à míngua para vitalizar ajuntamentos que enriquecem evangelistas ávidos por fama e riqueza.

Desde aquela iniciação com o Osmar Ludovico, reaprendi a ler a Bíblia sem o exclusivismo das ferramentas frias da exegese. Por anos fui um gramático, pavimentei a estrada da minha fé com argumentações, mas comecei a ler as Escrituras com o coração. As novas lentes de leitura eram o amor e a paternidade de Deus. Desisti da pretensão de chegar à verdade dissecando textos. Eu queria perceber o recado de Deus nas entrelinhas, sem as vendas espirituais que me impedem de me sentir abraçado por ele. Sei da importância de não desvirtuar o sentido do texto com interpretações fantasiosas. Mas sei também que não é com análises sintáticas que a linda poesia do Espírito chegará ao meu coração. Se a letra mata e o Espírito vivifica, quero perceber o imperceptível; quero o que os olhos naturais não captam.

Desejo vivenciar a minha espiritualidade em atos devocionais. Pretendo transformar-me em um adorador que faz do “seguimento” de Jesus a melhor expressão de sua piedade. Liturgias centradas em emocionalismos desmerecem a tradição profética dos dois Testamentos. O melhor culto é defender a justiça. Deus não gosta de ajuntamentos com liturgias autocentradas, que só buscam canalizar o seu favor. O verdadeiro culto disponibiliza pessoas para cuidar de órfãos e de viúvas -- esta é a verdadeira religião, segundo Tiago. Qualquer verticalização do louvor só tem sentido se promover a verticalização do serviço. Espiritualidade é reconhecer Deus no rosto do pobre, do nu, do faminto e do desterrado; tudo o mais é individualismo travestido de piedade.

Anseio por reuniões que celebrem a graça, sem paranoias espirituais, sem alguém tentando infundir culpa para descansar no inescrutável amor de Deus. Quero participar de comunidades leves, sem as afetações próprias do glamour do mundo, onde os sorrisos sejam gratos e os abraços, sinceros. O caminhar de Jesus não combina com lugares espetaculosos. Viver os valores do seu reino prescinde de holofotes.

Muito obrigado, Osmar. Naquela tarde edifiquei um memorial; altar que me lembra o desafio de vivenciar o vasto amor do Pai.
Soli Deo Gloria.


• Ricardo Gondim é pastor da Assembleia de Deus Betesda

Voto consciente



Neste começo de ano, quero pensar no voto como “prática espiritual”. Enquanto tal, o voto é uma decisão, um propósito que nasce no coração e se manifesta em forma de oração -- ou de oração sem forma. Ele nem sempre é secreto, mas é sempre íntimo; um propósito que tomamos em relação a nós mesmos. Não valem essas promessas que uma mãe faz para o filho pagar.

Na Bíblia, ele aparece na forma de “promessa”: se o Senhor me der isso, eu faço aquilo. Porém, a melhor prática é a do voto incondicional: “Que darei ao Senhor pelos seus benefícios para comigo? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor. Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo” (Sl 116.12-14).

Encontro três lições nos verbos que Jesus usou para construir a “virada” da narrativa do filho pródigo (Lc 15.17-20).

Primeira: “o voto consciente acontece dentro de um discurso existencial”. “Caindo em si, disse.” A expressão aponta para o enredo, para a situação em que o rapaz estava mergulhado. Ele conseguiu, a duras penas, fazer a leitura da trama, do tecido em que estava envolvido, usando como referência “a casa do pai”. Então, o voto acontece para tirar as coisas dessa situação estagnada, “mal-parada”; acontece como resposta a essa nova consciência. E aqui, a vontade do pai, tão esquecida, negada e questionada, volta a valer; volta a ser o anelo daquela alma. E o voto se transforma em oração ao harmonizar-se com a vontade do Pai.

Segunda: “o voto consciente é um gesto de reconciliação”. “Levantar-me-ei, irei ter com meu pai, e lhe direi...” Reconciliação de quê? Bem, depende do que se estragou, do que se corrompeu. Depende do discurso que lemos, do diagnóstico feito. Depende do que significa a referência “na casa de meu pai” para nós. A maturidade cristã acontece, entretanto, quando aprendemos a dizer: “eu sei qual é a vontade do meu pai e também sei o quanto ela vai me custar. Mas levantar-me-ei e irei ter com ele”. Uma observação: o rapaz não disse “vou começar a pensar sobre isso”, mas “irei”. Chamo a atenção para a armadilha dos votos imensuráveis.

Terceiro: “o voto consciente consuma-se em ação”. “E, levantando-se, foi...” Estamos falando de “prática espiritual”, de oração; da presença de Deus na consciência que faz o autodiagnóstico (os trabalhadores do meu pai), na vontade conhecida (e agora desejada) e também no poder necessário para que o propósito tenha chance de sucesso. O voto consciente é mais que boa intenção; é atitude, ação que rompe círculos viciosos: “e, levantando-se, foi!”. Aleluia! A presença de Deus nessa hora torna possível o improvável; ela impõe a dimensão do milagre.

Como foi o caminho de volta daquele rapaz? Podemos imaginar um misto de incerteza e excitação. Mas a energia para cada passo vinha daquele momento sagrado.

Se, neste começo de ano, o Espírito nos sussurrar ao ouvido: “quantos trabalhadores do meu pai...”, então é tempo de “voto consciente”. O resultado é alentador: “Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou”. Enquanto ainda estamos lendo o nosso duro “discurso existencial”, nosso pai já está saindo ao nosso encontro.


• Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal